quarta-feira, 27 de junho de 2012

Esquizofrenia do bom mocismo


Nos tempos mais ermos de nossa história, os estádios de futebol eram basicamente ocupados por homens. Muitos não consideravam um lugar para mulheres, muito devido aos excessivos elogios aos que fazem o espetáculo dentro das quatro linhas.

Com o passar dos anos e a mudança de muitos paradigmas e mitos de uma sociedade que se globalizou muito rapidamente, não só as mulheres, como também crianças e idosos passaram a freqüentar, em bom número, as arquibancadas.

A massiva popularização do esporte bretão juntou rico, pobre, preto, branco, índio, pardo, enfim, botou muitas diferenças de lado e surgiu uma nova “classe” social: o torcedor. Esse tal de torcedor rapidamente saiu das paredes dos estádios e invadiu as ruas, praças, escritórios, escolas.

Quem nunca ouviu ou soltou piadas na segunda-feira depois de uma rodada de campeonato? As brincadeiras futebolísticas aproximaram mais o faxineiro do dono da empresa do que qualquer nova teoria administrativa ou estratégia de comunicação interna. Os “chatos” que sempre zombam do seu time são os alvos prediletos quando seus times vão de mal a pior.

Nas últimas décadas, todavia, o futebol deu uma guinada em direção ao profissionalismo corporativo e transformou muitos clubes em empresas. Esta nova filosofia, iniciada na Europa, buscou agregar consumidores e não puramente os amantes da bola. Primeiro veio o Fifa Fair Play para acalentar os ânimos dos jogadores cujos ânimos exaltados, não raro, transformavam a grama sagrada em campo de batalha.

Depois, veio a modernização dos estádios, que passaram a ser chamados de arenas e a experiência dos setores populares, tendo em vista que eles foram diminuídos a uma proporção quase irrisória. As normas das grandes entidades responsáveis pela gerencia do futebol tentam transformar as arquibancadas em setores de um teatro onde se vai ver e, eventualmente, aplaudir o espetáculo.

A vigilância afastou os brigões e ajudou a punir os invasores de campo e dar uma maior segurança a quem vai ver as partidas. Os racistas são vigiados de perto, mas as medidas para moralizar os torcedores começaram a tomar ares de pura chatice de gola rolê.

Medidas querendo proibir os palavrões nas arquibancadas não foram raras. Socialmente, pode-se até discutir o fundamento de se usar palavras de baixo calão, mas a verdade é que um “poxa vida” não vai traduzir nem aliviar a angustia ou raiva do torcedor. Querer controlar o que vai ser dito por uma pessoa é demais e mitiga muito da liberdade que se sente ao entrar em um estádio.

Essa “cultura” dos palavrões já rendeu boas histórias. Já ouvi de jogadores, árbitros e bandeirinhas falando que tem duas mães: a que lhe deu a luz e a que entra no estádio com ele. Não há uma raiva contra a pessoa em si, mas sim o que ela representa dentro das quatro linhas. O que sair daí e se transformar em algum tipo de agressão deve ser severamente punido.

Recentemente, a torcida do Santos foi proibida de levar um mosaico para um jogo contra o Corinthians com os dizeres “TRI DA LIBERTADORES”, porque, segundo a polícia era uma clara provocação contra o adversário que ainda não conquistou o torneio. Do jeito que estão indo as coisas uma criança fazer piada com o time de um amigo da classe será bullying e quando o ocorrido se der no local de trabalho será um dano moral. Torcedor tem que ser torcedor, porque de seriedade e chatice o mundo já está cheio.

sábado, 16 de junho de 2012

Menos do mesmo


Foi-se a época em que pararia tudo o que estava fazendo para assistir a uma apresentação da seleção brasileira de futebol, fosse amistoso ou jogo oficial por alguma competição. Mas há algum tempo não existe vontade ou motivação para ficar em frente à TV e ver um time normalmente apático, cuja maior velocidade é um trote leve.

Jô: dispensado do Inter-RS após dar festa de arromba
Nossas estrelas de classe mundial já não existem mais; o primeiro escalão do futebol não é hoje um lugar cativo para o atleta brasileiro, salvo alguma exceção que me foge à memória. Não é à toa que, nos últimos 6 anos, 3 argentinos (Tevez, Conca e Montillo) foram eleitos o craque do campeonato brasileiro e um uruguaio jogando por um time do Nordeste (Acosta) foi a sensação.

Kaká, Ronaldinho e Adriano não são nem lembrança do que foram em tempos de outrora. Neymar joga muito, mas ainda tem muita escada para subir antes de se dizer o que ele é ou onde pode chegar. Ganso, Lucas e Oscar ainda são muito ofuscados pela estrela santista, mas parecem trilhar por um caminho de muito sucesso; talento eles tem de sobra, falta pularem algumas “fogueiras”.

A canarinha já não mete medo em ninguém. O capitão Thiago Silva afirmou na última semana que seus companheiros de Milan disseram-no que a esquadra brasileira já não era mais a mesma. E essa é a mais pura verdade. Os nossos astros parecem mais preocupados em se promover que defender a seleção.

É bem verdade que não se trata da seleção brasileira, mas sim da seleção da CBF e só isso para justificar as últimas convocações de Ronaldinho Gaúcho. Ele já jogou muito, no entanto sua falta de interesse pelo futebol profissional de alto rendimento o afastaria por completo do manto amarelo não fossem os interesses econômicos.

Ninguém é inocente em achar que estão lá jogando (ou apenas em campo) por serem apenas os melhores; há muitos outros interesses em jogo, mas isso ocorre com todas as principais seleções do mundo e não é só com a brasileira.

Esse desgaste entre a canarinha e a torcida me fez preferir assistir, no último domingo, ao jogo de vôlei entre Brasil e Polônia, ao invés da partida entre a turma de Mano Menezes contra o México.

Bernardinho: disciplina e qualidade lado a lado
É bem verdade que perdemos nas duas frentes, mas só de ver a gana e o comprometimento dos que jogam com as mãos, e porventura com os pés, é muito mais gratificante que um amistoso de futebol. Bernardinho é um treinador cujo exemplo deveria ser seguido pelos técnicos dos boleiros.

Tudo na vida é feito com base em escolhas que se faz pelo caminho e os jogadores de futebol parecem mais vislumbrados com o glamour da vida de celebridades e esquecem, muitas vezes, do mais básico; atleta profissional não é um rock star e não pode viver em festas e jantares.

Enquanto o vôlei não é infestado de forma viral pelo capitalismo selvagem ainda é possível ver as reais emoções de atletas de nível mundial tanto por suas glórias e derrotas. A preocupação principal está dentro das linhas e não nos benefícios financeiros que podem vir a chegar.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Tempo perdido


Na semana em que Wagner Moura sofreu uma avalanche de críticas da esquizofrênica imprensa “especializada e intelectual” musical brasileira, o meia Ronaldinho Gaúcho e o Flamengo encerraram um curto relacionamento que não chegou a durar dois anos.

 A primeira conclusão lógica que se pode tirar da situação, e da enorme dívida que ficou para o clube carioca, é que o time com a maior torcida do Brasil perdeu um precioso tempo; não apenas investindo em um boleiro sem compromisso, como também de andar no caminho do futebol moderno, onde o empreendedorismo e as táticas de grandes corporações multiplicam aos milhões a receita das agremiações.

A demagogia quase coronelista presente na Gávea mostra o tamanho do amadorismo com o qual um negócio tão lucrativo é tratado de maneira quase irresponsável por torcedores, quando o que se deveria era existir um quadro de profissionais para tratar dos negócios de um dos mais tradicionais clubes do Brasil.

A República Popular do Corinthians, que chegou a flertar com o “socialismo boleiro” durante a democracia corinthiana, deixou de ser um reduto de torcedores oportunistas, cujo objetivo era encher o próprio bolso e, se possível, conquistar algum título.

O time do Parque São Jorge se modernizou e, mostrando um belo exemplo de planejamento e organização, transformou o decadente e barrigudo, mas muito carismático, Ronaldo Fenômeno em um sucesso absoluto em vendas de produtos licenciados e para abocanhar cheques recheados, assim como o abdômen do atacante, dos patrocinadores.

O camisa 49 tenta a volta por cima no Galo
O Flamengo, ao contrário, confiou a contratação de um jogador, que receberia rendimentos na casa de 1,5 milhão de reais por mês, a uma empresa de marketing esportivo para pagar a maior parcela dos valores do camisa 10. Mas o “planejamento” não conseguiu atrair patrocinadores e o relacionamento do rubro negro carioca com a empresa paulista foi azedando em progressão geométrica até que, no começo de 2012, o clube carioca rompeu com o “parceiro” e se comprometeu a bancar todo o salário do Gaúcho.

O único problema é que o Urubu contava com o ovo que não havia sido chocado pela galinha, no caso a cota da televisão, e não conseguiu bancar o salário da maior estrela do seu elenco. Ao mesmo tempo, mostrando uma desorganização financeira e uma cara de pau inacreditável, contratou Vágner Love por cerca de R$ 30 milhões junto ao CSKA da Rússia.

Depois de cinco meses sem receber os direitos de imagem, o jogador entrou na justiça e ganhou o direito de realizar uma rescisão unilateral forçada pelo clube inadimplente. O montante da dívida chega a R$ 40 milhões, e não adianta agora querer transformar o atleta em demônio e fazer sua caveira pela sua falta de comprometimento com o clube e seu baixo desempenho técnico.

Ao contrário do que escreveu Renato Russo, Ronaldinho já não é mais tão jovem, pelo menos para o implacável mundo da bola, e o que foi prometido, e acertado em contrato, parece que ninguém prometeu e não se tem mais o que tempo que passou, tampouco todo o tempo do mundo. O suor sagrado do atleta dedicado e compromissado com a camisa, ou manto, foi pouco, ou quase nada, derramado pelo ex-melhor do mundo.  O sangue que o ex-craque deu foi para verificar a existência de álcool no seu organismo, ou como dizem os maldosos, verificar o nível de sangue no álcool do atleta.

Resta ao Flamengo brigar na justiça e tentar não pagar o valor estipulado em contrato ao seu ex-jogador. Com a truculência que é peculiar a administração de Patrícia Amorim, pintou-se um quadro onde pentacampeão do mundo é um vilão e só houve comprometimento do lado do clube.

Os sinais de que o R10 eram claros; desde a crucificação pública após a eliminação na Copa da Alemanha em 2006, o então melhor do mundo entrou em um redemoinho de farras, falta de comprometimento e um encontrou na ponta esquerda um porto seguro para sua falta de vontade em arrancar com a bola e fazer jogadas incisivas contra os zagueiros adversários. O Barcelona não brigou para que ele não se transferisse para o Milan, onde suas noitadas em hotéis ganharam mais manchetes que suas atuações.

Os vilões estão de ambos os lados. Se o jogador não se mostrou comprometido com o clube e com o time e vivia mais a noite carioca que os torneios do time profissional, o clube não conseguiu cumprir com todas as suas obrigações com o atleta e fez vista grossa para todos os atos de indisciplina de R10. Chegou a demitir Luxemburgo por problemas entre o treinador e o meia e nunca conseguiu controlar as escapadas do ex melhor do mundo.

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgsCwV5SP_IU28DoIqnMPbiYm5WjAC6_u38lNvwp3iOwq_nm5uiCJCz794rkMvWpCvXKOvraSlPGYU3ZJrQvY8WdvX2SoOvNlEzVWJKdNQuGwGZTdzJOfVkLoVogIT7wwxK0wZca5Eaxs3Q/s400/Ronaldinho+Flamengo+Gr%C3%AAmio+pilantra.jpg
R10 saiu pela porta dos fundos da Gávea
No rubro negro carioca Ronaldinho foi Ronaldinho uma vez: na vitória do Flamengo sobre o Santos de Neymar por 4x3 na Vila quando o camisa 10 levantou no torcedor do Urubu um fio de esperança de rever o manto sagrado que já vestiu Zico ser, novamente, respeitado mundialmente. Mas, para a infelicidade da Nação, foi um lampejo que durou pouco mais de 90 minutos e os pagodes e festas voltaram a ser mais fundamentais para o meia.

Os dois lados estão errados em boa parte; o clube por não pagar um empregado e Ronaldinho por não agir como se espera de um atleta de ponta. Muito mais preocupado com suas festas e seus pagodes que com sua profissão, não foram raros os momentos em que chegou sem condições de treinar na Gávea.
O futuro do jogador segue incerto no momento, mas a verdade é quem será louco o suficiente para bancar um microempresário que é Eike Baptista? Não basta o seu procurador dizer quem ele é ou o que ele representa (ou representou) para o futebol. Águas passadas não alimentam os peixes e Ronaldinho não pode exigir tratamento de estrela de primeira grandeza quando ele realmente é uma lembrança de um facho de luz.

É uma pena para o futebol mundial assistir a uma decadência desse tipo. Ronaldinho é talento puro, poderia ser um craque inesquecível, mas vai entrar para o rol de grandes jogadores que tiveram momentos excelentes e nada mais.